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Como incentivar Diversidade e Inclusão – Entrevista com Gabriela Augusto

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11 minutos de leitura
diversidade e inclusao

Entre as principais discussões no setor do RH para o ano de 2021 está o tema da Diversidade e Inclusão e como criar estratégias para incentivá-lo nas empresas. Sabemos da carência em cargos de liderança de profissionais que se sentem representados por estes grupos.  Além disso, no mês de janeiro, celebramos o mês da visibilidade Trans e Travesti que trouxe dados alarmantes sobre o mercado de trabalho brasileiro.

Portanto, para essa entrevista, convidamos a CEO, diretora, consultora e especialista em Diversidade e Inclusão para nos explicar cada detalhe desse assunto. Gabriela Augusto contará sobre a sua trajetória profissional, sua empresa Transcendemos e sobre inclusão de pessoas Trans. Além de nos dar dicas de como desenvolver estratégias eficazes para um Recrutamento e Seleção mais diverso e inclusivo.

1. Enquanto consultora, produtora de conteúdo voltado para a inclusão e diversidade nas empresas, o que o prêmio LinkedIn Top Voices representa pra você?

A minha jornada sempre foi repleta de desafios, sabe? Nunca foi muito fácil começar com esse trabalho da Transcendemos e pautar tudo o que eu e minha equipe defendemos.

Eu sou formada em direito pela PUC. E aquele momento da Universidade, foi um momento muito importante na minha vida. Porque foi aquele instante que eu passei pelo meu processo de transição de gênero. E eu, enquanto uma estudante de direito, comecei a olhar para escritório de advocacia e grandes empresas nas quais eu queria trabalhar e eu não vi pessoas como eu, sabe?

Eu me deparei com uma série de desafios no mundo profissional por ser uma pessoa Trans e negra. Então, fiquei pensando nas melhores formas de fazer com que outras pessoas não passassem por aquilo que eu estava passando.

E aí, lá em 2016/2017, eu criei um livrinho que eu batizei de Manual Empresa de Respeito. Nesse livrinho eu tentei sintetizar os principais conceitos relacionados à igualdade de gênero,  igualdade racial e combate à LGBTfobia. E eu comecei a distribuir isso de porta em porta em empresas daqui de São Paulo.

Eu fui em agência de publicidade, em restaurante, em coworking. E eu não cobrava nada por esses livrinhos. Eu só pedia para que as empresas se comprometessem a conscientizar os colaboradores sobre a importância da diversidade e da inclusão. A importância de se respeitar as diferenças, de se promover uma cultura de respeito. E isso não foi nada fácil. As empresas de uma maneira geral não queriam me ouvir.

Assista a entrevista completa:

Inicialmente, talvez pelo fato de eu ser uma pessoa Trans. Esses vieses também relacionados a pessoa negra, dificultavam a minha entrada. Eu tive muita dificuldade de fazer parte desse universo corporativo, a minha voz não era uma voz relevante. As pessoas achavam estranho uma mulher Trans falando desses assuntos sendo que de maneira geral as pessoas estavam e ainda estão acostumadas a ver pessoas Trans na prostituição ou outros lugares da sociedade.

Então, esse meu reconhecimento como Top Voice para mim é uma conquista muito grande. Porque nesses últimos anos eu tive muita dificuldade. Para chegar onde eu cheguei, eu fiz um trabalho de ir atrás de empresas, de pessoas e tive dificuldade de ser ouvida. Tive dificuldade para que as pessoas depositassem credibilidade e confiança em mim.

Então de alguma forma, receber este reconhecimento como Top Voice é uma chancela sobre aquilo que eu estou falando. Aquilo que eu estou falando faz sentido, aquilo que eu tô falando ajuda as pessoas. Então eu fiquei muito feliz! É algo que eu não esperava receber esse reconhecimento de Top Voice, eu não estava competindo, assim, mas eu fiquei muito feliz!

Eu acho que essa não é uma conquista individual. Ter uma pessoa Trans lá, uma pessoa como eu, acho que é simbólico. E ajuda a comunidade como um todo. Para que a gente tenha essa visibilidade, para que, enfim, outras pessoas percebam os nossos anseios e pelo que a gente está lutando.

2. Quais os próximos passos na sua carreira em 2021?

Bom, esse ano foi bastante difícil, né? No começo de março, eu pensei que a Transcendemos não teria mais espaço. Pensei que com a pandemia e com a crise que a gente teria, as empresas deixariam de olhar a diversidade e inclusão como uma prioridade. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário.

Nós tivemos uma série de movimentos como o Black Lives Matter, com a morte do George Floyd. E vários outros acontecimentos que sucederam a esse e que fizeram com que cada vez mais empresas buscassem estabelecer uma estratégia para a diversidade e inclusão.

O ano de 2020 foi um ano muito bom para a Transcendemos. No sentido do quanto as empresas passaram a se preocupar mais com diversidade e inclusão e buscarem apoio nesse sentido. Claro que 2020 foi um ano bastante ruim. Nós tivemos vários problemas do mundo, mas acho que a gente precisa olhar para o lado bom das coisas também.

Mas falando disso, a Transcendemos cresceu. Passamos a implementar projetos cada vez mais complexos, cada vez maiores em empresas importantes que vocês devem conhecer. E a gente espera esse crescimento também em 2021.

Nós aprendemos bastante nesse ano. Ouvimos muito as nossas empresas parceiras. Estamos trabalhando bastante com novas soluções, em novas ferramentas para ajudar essas organizações a se tornarem cada vez mais inclusivas. Se ano passado a gente conseguiu um grande espaço, 2021 vai ser ainda melhor!

3. Como vocês lidam na Transcendemos Consultoria com as especificidades das pautas LGBTQIA+, Étnico-racial, Igualdade de Gênero e de Pessoas com Deficiência na hora de criar estratégias para cada uma delas?

Cada empresa é um universo distinto. Tratar de diversidade e inclusão numa Startup é diferente de implementar um projeto num banco. Então, o primeiro passo quando a gente fala de um programa ou de um projeto de DNA, é entender qual é o cenário atual na empresa.

Para isso, nós temos ferramentas específicas. Por exemplo, nós temos nosso Censo da Diversidade. Nós temos todo um trabalho para levantar esses números. Porque a gente entende que um programa de diversidade inclusão de sucesso é baseado em números. Quando a gente olha para um cenário como esse, a gente primeiro precisa definir quais são as dores.

E a partir daí, elencar prioridades então quando você me pergunta sobre LGBT, igualdade racial, igualdade de gênero, cada empresa é uma empresa. Por exemplo, com um cliente nosso mais recentemente, a gente rodou um processo de análise e a gente definiu que a questão LGBT era uma prioridade.

E que as pessoas LGBTs estavam se deparando com desafios, não digo mais importantes, mas mais urgentes. Assuntos que a gente deveria tratar em primeiro lugar. Portanto, eu acho que para responder essa pergunta a gente sempre precisa ter esse olhar de números de People Analytics.

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4. Como CEO de uma empresa de consultoria de Gestão de Pessoas Inclusiva,  quais foram os maiores obstáculos que você enfrentou até agora e quais foram as soluções encontradas para superá-los?

Eu acho que um dos maiores obstáculos é a credibilidade. É você conquistar a confiança das pessoas. Porque, para você implementar uma solução para você levar uma solução mercado às pessoas, os clientes precisam confiar na sua solução e confiar em você. É um pouco triste falar isso, mas mesmo quando o assunto é diversidade e inclusão as pessoas tendem a acreditar mais em homens, em pessoas Cis brancas. Ainda existe esse viés, sabe?

Acho que isso está mudando. Mas ao longo da minha carreira eu sempre percebi que quando empresas procuravam o serviço da Transcendemos, elas pareciam ser mais criteriosas do que quando procuravam outras consultorias. Parecia estranho para eles que uma pessoa como eu estivesse liderando a Transcendemos.

Então, esse desafio de credibilidade foi bastante importante. Mas eu acho que eu contornei isso com o conteúdo. Acho que oferecer conteúdo de qualidade que ajude as pessoas, faz com que elas passem a confiar em você. E isso é fundamental quando a gente pensa em oferecer uma solução para o mercado.

5. Qual a importância da certificação Empresa de respeito? Quais os critérios de avaliação usados para identificar as empresas parceiras nesse projeto?

Na Transcendemos, entendemos o que as empresas precisam fazer. Precisam colocar a mão na massa, estruturar estratégias e implementar ações de diversidade e inclusão. Mas entre essas ações, a gente precisa falar de comunicação. As empresas precisam comunicar o que elas estão fazendo. Porque quem está de fora precisa saber em quem podem confiar. Saber quais são as empresas que têm um compromisso real com diversidade e inclusão.

Por conta disso, a gente criou o programa de certificação Empresa de Respeito. Como ele funciona? Rodamos um processo de análise nas empresas que se candidatam a certificação. E com base nesse processo de análise, entendemos onde a empresa está e qual é o cenário atual. E com base nesse cenário atual, definimos as metas e objetivos da empresa.

Sabendo onde estamos, podemos definir onde queremos ir. E com base nesse onde queremos ir nessas metas, nesses objetivos, criamos uma carta de compromisso com a diversidade empresa. Desse modo, ela pode se comprometer em aumentar o número de mulheres na liderança em tantos %. Ou em ter tantos % de pessoas LGBTs negras nos processos seletivos, por exemplo.

Enfim, definimos as metas em conjunto com a empresa, na medida em que ela se compromete a melhorar, se compromete a evoluir. Assim, no que diz respeito a esses números, emitimos a certificação baseada nesse compromisso de melhoria.

Lembrando que é muito difícil dar um selo para uma empresa e falar: “esse lugar já é 100% inclusivo, 100% diverso, já superou todas essas questões”. É difícil, porque ninguém é perfeito, né? Nem pessoas físicas, nem pessoas jurídicas. Então,  entendemos que a ideia está fundada no compromisso. E isso é importante de ter em mente porque, individualmente, nós devemos nos comprometer a melhorar. Nos comprometemos a nos tornarmos pessoas melhores e isso não é diferente com as nossas organizações.

6.  Pensando em estratégias para mudar o cenário atual em relação ao Recrutamento e Seleção de pessoas trans, você poderia nos dizer o que não pode faltar nesse processo?

Tenho sido procurada com bastante frequência por empresas que pretendem recrutar e contratar mais pessoas negras, mais pessoas trans, mais pessoas de grupos sub representados. E muitas vezes essa preocupação com a contratação é maior do que a preocupação no que diz respeito a pessoa se sentir bem naquele ambiente de trabalho.

Para discutir esse tema, acho que a gente precisa falar sobre a diferença entre os conceitos de diversidade e inclusão. E que muitas vezes são tidos como sinônimos, mas são coisas distintas. Quando falamos de diversidade, estamos falando de características que tornam as pessoas únicas: orientação sexual, identidade de gênero onde a pessoa nasceu, a cor da pele dela, isso é diversidade.

Precisamos ter pessoas com essas diferentes características nos nossos times. Então é aí que a gente começa a pensar em recrutamento ou como contratar mais pessoas desses grupos sub representados. Mas de outro lado, quando a gente fala de inclusão, ou pelo menos na Transcendemos, a gente entende como a experiência que as pessoas têm com a nossa organização.

Sendo assim, a gente precisa fazer com que uma pessoa negra tenha uma experiência tão boa com a nossa empresa quanto uma pessoa branca. Ou que uma pessoa Trans se sinta tão pertencida a essa empresa quanto uma pessoa Cis. Cis é o contrário de Trans para quem não tem tanta familiaridade com esses termos.

A gente precisa olhar para esses dois conceitos:

  • Diversidade: pessoas com diferentes características.
  • Inclusão: fazer com que as pessoas se sintam bem, se sintam felizes e tenham igualdade de oportunidades.

Antes de contratar é necessário fazer algum tipo de estudo. Algum tipo de diagnóstico para entender se essas pessoas de fato vão se sentir bem lá na sua empresa.

Portanto, não adianta só colocar uma pessoa Trans na empresa se, por exemplo, os cobradores desse lugar não tem tanta familiaridade com o uso de pronomes.

Assim, quando se abre um processo seletivo de pessoas trans, normalmente se tem um número bem grande de pessoas não binárias. Quando você se depara com alguém que se chama Ariel, por exemplo, é uma pessoa que você olha e não sabe dizer se está mais ali no universo masculino, ou feminino. E aí? seus colaboradores estão preparados para isso?

Pensando na jornada do candidato, se essa pessoa chega para fazer uma entrevista na recepção do prédio da sua empresa:

  • Será que a pessoa que está ali na recepção vai atender ela bem?
  • Será que os formulários de cadastro fazem sentido para essa pessoa?
  • Onde a sua empresa publica vagas?
  • Qual é o sistema que vocês utilizam?
  • Quando a pessoa vai se cadastrar lá no sistema e tem sexo “masculino” e “feminino”.
  • Existem outras opções?

Eu vejo formulados absurdos, assim. Por exemplo, com a opção de escolher entre homem, mulher ou transexual. Pensando naqueles formulários tipo DropDown, se a pessoa é transexual, “ela não é homem” ou se ela é mulher, “ela não é trans”. Para evitar esses equívocos, o que eu recomendaria de maneira geral é pensar nesses dois conceitos de diversidade e inclusão.

Sobre inclusão: pensar em como essa pessoa se sentiria na empresa. Além de fazer um desenho da jornada do candidato. Desde o momento em que essa pessoa toma consciência de que pode se cadastrar no processo seletivo da sua empresa. Passando pelo momento da entrevista até o Onboarding.

É importante olhar para todos esses pontos de contato e entender o que pode ser melhorado. Quais são os pontos de tensão ali? Em que momento essa pessoa pode se sentir desrespeitada ou pode ter uma experiência ruim?

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7. Como é o trabalho da Transcendemos com mentoring e treinamento nas empresas que se preparam para receber e acolher profissionais trans?

As soluções de mentoring e treinamento devem estar adequadas ao universo específico de cada empresa. Por exemplo, nós temos uma ferramenta que chamamos de Diverse Experience. Essa ferramenta é uma jornada de aprendizagem e co-criação. Onde a gente reúne um grupo de pessoas de uma determinada empresa e essas pessoas elas passam por uma sequência de atividades práticas.

De um lado elas aprendem sobre o universo Trans, por exemplo. Mas de forma conjunta a equipe da Transcendemos e equipe da empresa pensam planos de ação em formas e em estratégias para tornar essa empresa mais amigável à pessoa Trans. Apesar de achar que é uma palavra batida, o conceito de co-criação é bastante importante.

A Transcendemos tem toda uma expertise e conjunto de boas práticas para inclusão. Mas tudo isso deve ser pensado em conjunto com as pessoas que estão no dia a dia da empresa. Nós temos ferramentas para isso. Por exemplo o Diverse Experience, como citei anteriormente. Além de termos outras soluções para alavancar um conhecimento sobre diversidade que muitas vezes já existe na empresa.

Então, a questão é além de organizar esse conhecimento que está lá na empresa, também replicar ele para outros colaboradores. Assim, multiplicando essa a cultura de respeito e inclusão.

8. Pensando sobre planejamento de Diversidade e Inclusão para 2021, quais são as principais iniciativas a serem adotadas na gestão de pessoas da minha empresa?

Aquilo que não é visto não é lembrado, não é mesmo? As pessoas não respeitam aquilo que elas não conhecem. Então, o primeiro passo é falar sobre o assunto. Considerando que há um calendário de datas de diversidade e inclusão, em janeiro temos o Dia da Visibilidade Trans e Travesti. Portanto, para muitas pessoas e muitas organizações janeiro é o mês da visibilidade Trans e Travesti. Com isso, dá para ter alguns ganchos e começar a falar sobre esse assunto na empresa.

E aí depende muito da forma como a empresa utiliza seus canais de comunicação. Se a empresa utiliza mailing dá para pensar em cápsulas de conteúdo nesses canais, por exemplo. Outra alternativa é pensar em outros modelos de atividade, eu sei que o webinar é uma coisa que funciona.

Outro ponto é, sua empresa vai organizar uma roda de conversa sobre a questão Trans em janeiro? Ou em março, o que a sua empresa faz? Dá chocolate para as mulheres e umas coisinhas rosa? Ou de fato promove discussões sobre igualdade de gênero? As mulheres não querem ganhar simplesmente bombons. As mulheres querem direitos. As mulheres querem igualdade de oportunidades.

  • A sua empresa está levantando essas questões?
  • Está colocando tudo isso em pauta?
  • Promovendo esses espaços onde as pessoas podem aprender sobre?
  • Espaços para discutir melhores estratégias para a inclusão desses públicos?

Tudo isso é algo que às vezes custa virtualmente nada. Dar início a um grupo ou comitê de diversidade na empresa, por exemplo. Assim, produzir esses conteúdos internamente e replicar isso por meio dos canais internos

Portanto, eu diria que começar a falar sobre, tendo em vista essas ferramentas seria o primeiro a ser feito.

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BIO

Gabriela Augusto é mulher, trans, negra, diretora e fundadora da Transcendemos: empresa de consultoria em diversidade. Formada em direito pela PUC de São Paulo. Também é especialista em diversidade e inclusão. Recentemente, recebeu o reconhecimento de LinkedIn Top Voice 2020. No mesmo ano, também recebeu o reconhecimento da Consultoria McKinsey como referência em liderança LGBTQIA+  brasileira.

Mariana P. é parte do time de Content Marketing da Factorial. Acredita que copywriting é mais do que contar histórias. É também diversificar conhecimento para que todos tenham acesso. Depois de viver em diferentes países e trabalhar com B2C e B2B, percebeu que o setor de Recursos Humanos é parte fundamental para a transformação e o crescimento das pessoas dentro de uma organização.

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