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Diversidade LGBT+ nas empresas: por que o trabalho é ferramenta de transformação?

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8 minutos de leitura
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O termo Diversidade e Inclusão, também conhecido como D&I, não é atual. Mas os esforços das empresas em adotar uma política de diversidade e inclusão têm ganhado mais visibilidade nos últimos anos. E isso vai além da igualdade de gênero no trabalho, também aborda raça, classe, nacionalidade, idade, orientação sexual e tantas outras. São pilares que podem tornar um espaço de trabalho mais diverso. No Brasil, as companhias ainda andam a passos lentos. Segundo a Sebrae, as 19 milhões de empresas do país possuem diferentes níveis de maturidade no assunto. Um deles é sobre a diversidade LGBT+ nas empresas.

Por isso, têm surgido projetos como a camaleao.co, startup criada em 2015 que faz a ponte entre candidatxs LGBT+ e empresas, além de oferece palestras para encaminhar a empresa para a construção de um espaço diverso. Sua fundadora é Maira Reis, jornalista LGBT+ eleita pelo LinkedIn como Top Voice em 2019. Esse título é dado às pessoas que mais se engajaram em debates na plataforma. Não é atoa que o ganho de visibilidade da camaleao.co é fruto das discussões e posicionamentos de Maira na rede, quando ela aponta boas e más práticas de empresas que apoiam ou não a causa LGBT+.

Mas o que significa ter uma política a favor da diversidade LGBT+ nas empresas? Como o RH pode atuar nessa frente? Confira a entrevista com Maira para a Factorial. Ao final, você pode ver a entrevista em vídeo.

Você está participando de palestras e apresentando sua iniciativa. Como tem sido essa experiência para a camaleao.co? As empresas estão buscando incluir pessoas e políticas LGBT+?

A camaleao.co começou como uma plataforma gratuita, uma iniciativa que surgiu quando era jornalista e trabalhava em uma agência de publicidade. Nas horas vagas eu fazia esse match entre a comunidade LGBT+ e as vagas da empresa. Então, a gente saiu na Folha de São Paulo e deu um boom! Não conseguia mais trabalhar e gerenciar a camaleao.co. Então, comecei a cobrar um valor bem abaixo do mercado e outra revolução começou. Saí do trabalho e comecei a me dedicar às palestras LGBT+  e onde é que eu ainda ganho meu pão. A camaleão tem três anos no ar, mas como projeto pago menos de um ano. 

Começamos a estruturar como uma startup. As multinacionais que eu sempre quis atingir, chegaram, de forma até orgânica, e a própria camaleao.co tem uma cotação orgânica das empresas. Muito pela minha presença no LinkedIn porque lá acabei desenvolvendo uma presença forte de conteúdo e o boca a boca chega. Como um inbound marketing.

Até hoje nunca pagamos por anúncios nas redes sociais. Também temos uma presença forte em blogs, podcasts e mídias tradicionais. Nosso trabalho muitas vezes é reconhecido por outros meios, mas nada foi planejado, somente minha presença no LinkedIn. Foi orgânico, foi uma dedicação. 

Há algum tipo/área profissional mais atenta ao tipo de iniciativa da camaleao.co?

No começo a gente tava muito com TI, mas com a pandemia, 100% das vagas caíram. Fizemos um remanejamento, somos eu e a Andreia, então começamos a pensar: quem está contratando? Saúde. Mas também pelo mês Pride (Junho é considerado mês de orgulho LGBT+) está chegando marca de moda, beleza, cursos online…Novamente, a gente mira em algumas coisas, mas ele é camaleão mesmo, casou com o nome do projeto. Planejo ir para um lado e vamos por outros, não consigo muito planejar, ainda mais por causa da pandemia. Agora aos poucos, estão voltando as vagas, ainda estamos em um cenário caótico de mercado.

Você fala sobre como a comunidade LGTB+ pode gerar negócio. Você pode me explicar o que é isso?

Vou pegar o dado estatístico: segundo matéria do O Globo de 2015, o potencial de compra LGBT+ é estimado em 419 bilhões de reais no Brasil. Estamos falando de um nicho e podemos ainda atualizar esse dado, porque tinha acabado de ser aprovado o casamento homoafetivo no país e fizeram a pesquisa. Com outros direitos que conquistamos, esse valor aumentou. Porque quando você sai do armário, algo que também não existe, você quer que o mercado converse com você. Você abre um mercado que você pode investir.

Por exemplo, a Natura. Ela tem produto pra todo mundo e a comunicação dela conversa com o público LGTB+ que consome os produtos dela. Você não precisa fazer um produto pra LGTB+,  mas você pode direcionar seus produtos se entender sobre respeito, diversidade, como incluir e tratar pessoas LGTB+ no seu próprio negócio. 

Duvido que nenhuma empresa quer uma fatia desse 400 bilhões de reais. Existe uma infinidade de grupos que podem gerar business, como se conectar, falar com a pessoa LGTB+ dentro da sua própria empresa…O meu dinheiro vou dar pra uma empresa que pensa em mim. 

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A gente sabe que o Brasil é um dos países que mais mata pessoas LGBT+. O trabalho é uma das partes da rotina da maioria da população. Na sua visão, qual o papel do trabalho na mudança desse cenário?

Vou dar um exemplo, sou LGTB+, em momento de pandemia muita gente está morando com os pais que não aceitam ele/a, convivendo com os pais LGBTfóbicos. Ela não tem pra onde correr. Mas imagina se essa pessoa tivesse a oportunidade de estar em um espaço em que 8hrs do seu dia, mesmo em home office, ela vai trabalhar e ter apoio da empresa e gerar dinheiro. Daqui uns meses, ela pode até desejar alugar um quarto pra sair desse espaço de violência e ir pra um lugar seu e onde pode começar uma nova vida. Aqui, to falando de maiores de idade. Começar a dar os primeiros passos para a liberdade, mas não é fácil pagar contar, conviver com outras pessoas, etc. Mas é o começo de uma vida adulta. 

O trabalho pra uma pessoa LGTB+ é uma ponte de transformação, de vida, ponte também para diminuir a matança de LGTB+. Porque se ela continua nesse sistema, ela está em uma estrutura psicológica que deixa várias sequelas, que pode levar à depressão e que pode chegar até no suicídio. Então, reconhecer essa pessoas pelas suas competências e por quem ele é, faz com que a gente consiga mudar realidades e diminuir esses dados estatísticos horríveis.

Ótimos projetos têm surgido no reconhecimento das diversidades de cada candidato: EmpregueAfro, Transempregos e a própria camaleao.co. Por que você acredita que a diversidade hoje têm ganhado mais espaço na mídia, nas empresas e nos ambientes privados (escola, casa..)?

A gente tem uma mudança social porque existimos desde que o mundo é mundo, mas sempre fomos invisibilizados. Então sempre ficamos “à margem” e conseguimos nos formar como um movimento e lutar pelos nossos direitos. O que a gente passou e anda passando como movimento é uma transformação social, tivemos leis que amparam a gente e isso traz mudanças na educação. Até porque muitas vezes uma pessoa LGBTfóbica é educada pela lei. 

Então, acho que a gente deve começar a pensar em tudo que isso impacta: uma visibilidade das pessoas LGTB+ e do mercado. Voltamos naquela questão que as empresas começarem a ver a gente, entender como vivemos, nos verem como um público consumidor. Na verdade acredito que quando direitos são conquistados, não retornamos, apesar dos obstáculos políticos, mas o papel da discussão continua, principalmente nas redes sociais em que levamos coisas pra pessoas pensarem.

Outra questão que eu fiquei pensando, é que mesmo dentro da comunidade LGBT+, essas pessoas são atravessadas por outras dinâmicas de violência e opressão, como racismo e classe. Você já conseguiu identificar isso no trabalho com a camaleao.co? As empresas têm conhecimento dessas outras situações?

As empresas acho que ainda tem dificuldade de trabalhar com a interseccionalidade. Vemos ainda as empresas falando “vamos falar sobre mulher” e falam somente sobre quem é cis hétero. Mas quem é a mulher hoje? Temos mulheres trans, bissexuais, lésbicas…Ainda há uma dificuldade das empresas conhecerem e saberem trabalhar internacionalmente entre as comunidades e que precisa de foco e dedicação das empresas. 

Quais políticas você vê como essenciais do RH de uma empresa para atrair e reter talentos da comunidade LGTB+?

A política de RH é a parte maior de um programa de RH, você trabalha com ações com o fornecedor, com as lideranças, desenvolvimento de um comitê e como ela se envolve com a comunidade LGTB+. Ações de RH são simples, superficiais, porque o certo é fazer um programa de diversidade LGBT+ nas empresas que vai envolver todas as áreas, inclusive o RH. 

Para algumas empresa o primeiro passo é contratar uma pessoa trans, por exemplo. Mas, se uma pessoa trans é contratada e sofre transfobia, lembrando que hoje é um crime, e se ela continua sofrendo ali e no concorrente há um programa mais inclusivo? Então a pessoa vai pra lá. 

Segundo, se você não fazer um treinamento para liderança e colaboradores aceitarem e receberem bem essa pessoa, não vai adiantar tirar e repor com outra pessoa ali. Você ainda vai ter uma reputação negativa da sua empresa, porque da mesma forma que falamos muito bem, a gente fala também mal, principalmente nas redes sociais e a propagação da mensagem negativa é muito maior que a positiva. 

Existem diversos pontos que não acontecem em pouco tempo, é a longo prazo, a mudança de uma cultura você começa em 3 meses e continua em 3 anos. E em em todas as pontas do negócio, todos os dias. Da mesma forma que você está impactando, daqui 3 meses também não sei quais colaboradores estão na empresa. A estratégia de diversidade e inclusão deve acompanhar os passos dos seus negócios.

Qual é o perfil das empresas que chegam até vocês?

Já vimos de tudo: avançada e dando os primeiros passos. Mas sempre amarramos outros produtos. Se contratou pela gente, agora temos outros produtos, palestras para você continuar com essa mudança interna. Deu as palestras? Quais foram os resultados? Claro que nem sempre depende da gente, porque ela só tem um budget para contratar uma consultoria, mas não as palestras. Por isso, mesmo assim, a gente demonstra que ela tem que dar outros passos, se ela vai ou não aceitar, são outros processos até mais comerciais.

A gente sabe que muitas empresas se aproveitam de discussões sérias para “entrar no bonde” e fazem de ações que já deveriam ser obrigação delas, como uma grande novidade. Você tem encontrado muito disso com a camaleao.co? Como você reage quando encontra, vamos chamar assim, esses falsos aliados?

Como falo muito sobre isso no LinkedIn, elas nem chegam até mim, porque elas se tocam e outras, já sei quem são. No mundo da diversidade e inclusão, a gente sabe quem é quem no mercado. Tem uma marca de carro que todo dia me avisa que um colaborador sofreu algum tipo de violência e o próprio colaborador também vê no meu inbox um espaço de acolhida e eu fico sabendo. Claro que isso impacta no meu negócio, com quem trabalho ou não. 

A longo prazo também vejo que esse tipo de empresas vamos mirar no futuro. Do nosso lado, queremos ter uma estrutura melhor de profissionais para atender e entender o mapeamento de viés consciente e inconsciente, e outros profissionais específicos que vão trabalhar com essas empresa. Também temos que ter uma abertura maior dessas empresas, o que também não sei se elas estarão dispostas, até certo modo, para remodelar tudo. Hoje, tento expor no LinkedIn, muitas vezes sem citar o nome, o que elas precisam fazer.

O que você diria para as empresas que estão interessadas em implementar política LGTB+ ou que querem atrair candidatxs?

Primeiro diria pra fazer um mapeamento interno, entender o clima organizacional que você tem ali. Claro que você não pode obrigar ninguém a responder, pela lei de proteção de dados, você tem que colocar nessa pesquisa os campos de orientações afetivas sexuais e identidade de gênero. Há quem prefira não responder, esse é o direito dela, mas alguém vai responder. Também ter um espaço de denúncia, ver se há algum problema e falar para as pessoas que essas informações não podem ser usadas nunca contra elas, que elas não vão ser demitidas.

Entrevista por Maria Esther Castedo

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