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EmpregueAfro: Para a consultoria de RH é preciso ir além da hashtag antirracista

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Entre 2005 e 2015, a presença de pessoas negras no mercado de trabalho aumentou 0,5%. Os dados são do Instituto Ethos e apresentados pela nossa entrevistada de hoje, Patrícia Santos, fundadora e CEO da EmpregueAfro. Apesar dos esforços dos movimentos sociais e das políticas públicas, ser negro (e ainda mais difícil, mulher negra) e conseguir um emprego é um desafio. Para driblar esses obstáculos, existem consultorias de Recursos Humanos que têm a missão de disseminar o conceito de oportunidade, de forma positiva, para que a inclusão aconteça.

Essa é a visão da EmpregueAfro, uma das pioneiras em apostar na diversidade étnico-racial como forma de reter, incluir e ascender o profissional negro. Houve ainda um aumento na busca desse tipo de consultoria de RH no Brasil após a morte de George Floyd, afro-americano vítima de violência policial. Compreender essa reviravolta, as dificuldades e mecanismos para tornar as empresas mais inclusivas com pessoas negras em seu quadro de colaboradores, é tema da nossa conversa de hoje.

Nos últimos 7 anos, Patrícia Santos se dedicou à EmpregueAfro e desde 2017, é especialista em Recursos Humanos do “Programa da Fátima Bernardes”. Abaixo, você confere a entrevista com ela para a Factorial.

A EmpregueAfro foi a 1ª consultoria de RH do Brasil com foco em diversidade étnico-racial.

Como foi esse início? Como o projeto foi recebido?

P: Quando eu criei a EmpregueAfro, foi para orientar jovens negros sobre como se comportarem em uma entrevista de emprego, como escrever um currículo. Em 2005, a ideia era ser um projeto social. Mas as empresas começaram a chamar a gente. Podemos falar que somos a primeira consultoria de RH nessa área, porque o nosso compromisso é com as pessoas, com a pessoa negra que procura emprego, a gente entrevista, entende o perfil delas, manda para as empresas e acompanha essa jornada dela como empregado e colaboradores.

Também apoiamos as empresas no engajamento interno sobre a temática. Quando eu comecei como projeto social a EmpregueAfro, a ideia nem era tudo isso, mas falar para as pessoas como elas podem transpor as barreiras de racismo institucional e estrutural. Só que as empresas começaram a chamar a gente, nos primeiros anos foram trabalhos pontuais, mas a partir de 2012, mais empresas têm dado atenção à isso.

Quais eram os desafios de um mercado de trabalho para pessoas negras antes e agora? Como você têm visto esse contexto desde que criou a EmpregueAfro?

P: A gente teve poucas evoluções. No começo eu não tinha muita literatura, não havia muitas matérias jornalísticas, mídia; não era um assunto que as pessoas falavam muito. Tanto que eu sentia que parecia que estava sozinha, num voo solo pela luta da equidade racial no mercado de trabalho.

De la pra cá, a temática evolui e cresceu, mas a gente ainda não tem os percentuais de contratação equivalente ao que somos enquanto população brasileira. E essa é minha maior inquietude atualmente, somos 53% da população brasileira, mas das 500 empresas maiores do país, por exemplo, as empresas que mais produzem riquezas, influenciam a sociedade, essas só tem 4,6% de executivos negros, e nós mulheres negras, somos 0,4%, ainda mais cruel pra gente.

Em 2005, quando a primeira estatística do Instituto Ethos saiu sobre isso, o percentual de negros executivos era 4,2%. Então de 4,2% em 2005, pra 4,6% em 2015, em 10 anos quase não evoluiu, e é a mesma sensação que eu tenho: de trabalhar para mais empresas, fazer mais palestras, ações de conscientização, mas práticas mesmo de contratação de pessoas – a gente fala que a inclusão acontece quando você tem uma oportunidade de contratação, oportunidade que muda vidas – ainda são poucas, temos muito o que fazer. De um lado avançamos, mas na contratação, precisamos avançar mais.

Quais elementos fazem parte de um projeto de RH voltado para a diversidade racial? Quais você considera como pilares?

P: Eu sempre falo que o programa de diversidade e inclusão é cíclico, às vezes ele começa com ações de conscientização, mas para ser consistente deve ter ações de comunicação interna, externa, trabalhar marca empregadora ou, como costumo chamar, marca inclusiva, focada nesse público; ações de recrutamento e seleção com contratações que de fato dê oportunidades iguais. Depois que elas são contratadas, ações de desenvolvimento. Pois também é desafiador ao estar lá dentro, se sentir parte, entregar resultados, performar. E também a adequação das pessoas brancas é um desafio.

Então são importantes esses 4 pilares:

  • engajamento interno com ações de treinamento, com um comitê de diversidade organizado para gerir o tema;
  • o recrutamento e seleção especializados;
  • os programas de desenvolvimento pós contratação de acompanhamento.

4 itens que considero fundamentais para o sucesso de qualquer programa de diversidade, que também podem ser aplicados para outros temas de inclusão. Assim, você vai conseguir reter e desenvolver essas pessoas, o papel que eu acredito que nós, como RH, temos.

Sobre o feedback das empresas com as quais a EmpregueAfro trabalhou, quais foram os efeitos da inclusão de pessoas negras nas empresas?

P: A gente percebe por meio das pequisas de avaliação de clima. O clima está mais saudável, cooperativo, a empresa atinge mais produtividade, o ambiente se torna mais colaborativo. As pessoas que representam a diversidade se dizem se sentir melhor e mais produtivas por terem a liberdade de serem que elas são e estarem no trabalho de forma livre. Em termos de negócio, gestores relatam mais integração entre a equipe, desenvolvimento da equipe, um ambiente multicultural, plural.

Temos relatos de empresas como a Avon e Boticário, por exemplo, que eles tiveram 30% a mais de venda, a partir do momento que implementaram programas de diversidade e inclusão e nas propagandas externas, com a presença de mais negros. Então, o ganho é dos dois lados, tanto para as pessoas que ganham oportunidades e podem mudar de vida, quanto para as empresas que precisam cada vez mais valorizar as pessoas que precisam de oportunidades.

Além disso, em um ambiente cada vez mais competitivo e opressor, se você não tiver diversidade, não irá se diferenciar no mercado. Porque a diversidade traz uma competitividade, times diversos pensam, produzem e trazem resultados diversos, assim como trazem clientes diversos. Ter essa diversidade faz com que o alcance seja maior, então já é um diferencial de negócio. Pesquisas da Mackenzie de 2018 comprovam isso, empresas com diversidade étnico-racial têm 33% de chances a mais de conseguir um diferencial competitivo no mercado, aumentar sua parcela de atuação no mercado em comparação aos seus concorrentes. E em um mundo em constante competição, quem não quer aumentar seu marketing?

Além de ser uma justiça social, principalmente aqui no Brasil, reconhecer que em um país que tem 500 e poucos anos, por quase 400 anos houve um processo de escravidão e é por isso que a gente sofre as consequências do racismo até hoje no Brasil. Além de tudo, a empresa se posiciona no aspecto da responsabilidade social e em uma causa que é justa. A gente não aguenta mais segregação, não ter negros em cargos de liderança, passar por casos de racismo dentro das empresas…Nós, do movimento negro, já estamos dando um basta nisso há muito tempo e agora que as empresas perceberam, é importante reconhecer.

Diversidade é negócio, somos 55% da população economicamente ativa, têm pesquisas do Instituto Locomotiva, de 2018, as pessoas negras compram mais de empresas que têm negros nas propaganda ou funcionários, do que de outras empresas. Então, o ciclo de black money faz a roda girar e tem que fazer.

Os últimos acontecimentos do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos e a morte do menino João Pedro, no Rio de Janeiro, despertou o posicionamento antirracista de diversas empresas brasileiras.

O que você pensa sobre esse posicionamento e até que ponto elas estão realmente engajadas com esse discurso político?

P: Quando as empresas decidiram aqui no Brasil, replicar as campanhas das sedes, principalmente as americanas mas também globais, todas as demais começaram a se posicionar: black lives matter (vidas negras importam) e o blackout tuesday. Mas quando eles começaram a reproduzir essas campanhas aqui, muita gente foi lá cobrar: “blackout pra quem?”, “você tá postando, mas você tem profissionais negros no seu time?”. Então, não adianta você querer ter uma imagem lá fora, se internamente essa não é uma verdade para você.

A cobrança das redes sociais fez muita pressão nas empresas brasileiras e elas pararam pra pensar, não adianta postar sem dar a oportunidade. E já faz anos que estamos pedindo oportunidades, trabalho, sermos reconhecidos pelo nosso talento, e não sermos discriminados pela cor da nossa pele. Faz muitos anos que o movimento negro brasileiro divulga e batalha por isso. Esse é um ponto do ativismo nas redes sociais que eu vejo muito: nenhuma empresa quer ter sua causa associada ao racismo, mas sim ao antirracismo.

O episódio da morte do George Floyd gerou uma comoção mundial muito grande e uma indignação maior ainda contra o racismo e isso impacta muitas empresas. Elas sabem que devem se posicionar e que ficar quieta é ficar do lado do opressor. E se posicionar é fazer ações práticas. A gente atendeu, pós morte do George Floyd, 62 empresas interessadas, em um mês, em fazer ações práticas. Não só postar uma tela preta para representar o black tuesday. Para você ter uma ideia, no ano passado, a gente atendeu 62 empresas no ano todo. Então, é algo que contagiou e as empresas perceberam que não é só postar, a pressão das redes sociais tem que continuar (continuem fazendo pessoal!), sempre tem uma pessoa consciente que diz sobre a necessidade de contratar uma consultoria especializada.

Aqui no brasil, temos muitas consultorias de pessoas brancas querendo dizer como se contrata pessoas negras, sendo que elas não passam por situações de racismo, a legitimidade é nossa e o protagonismo deve ser nosso. Fico muito feliz que as empresas estão entendendo, crescendo na temática e indo além da hashtag. Triste que tenha acontecido dessa forma, filmado, 8 minutos ali, sendo sufocado, dizendo não consigo respirar.

O alerta que a gente levou para o mundo enquanto pessoas negras é que queremos respirar, queremos ser reconhecidos enquanto estamos vivos. É valorizar as vidas e vozes negras presentes, e cada vez contratar mais pessoas, pois só assim reduzimos as desigualdades e de fato, criamos um país justo e igualitário.

Imagino que a EmpregueAfro tenha encontrado empresas em diferentes níveis de atuação e programas de implementação de diversidade.

Qual o perfil das empresas que chegam até vocês, elas possuem algum projeto em desenvolvimento ou ainda estão em um nível amador? 

P: Com certeza, muito amadoras. A maioria não tem ideia do tempo, investimento e a gente como consultoria especializada, precisa do investimento justo. Por isso, muitas vezes elas acabam contratando só palestras, algo pontual, e não contribuindo efetivamente para a mudança que a gente tanto reivindica. Eu tenho alertado as empresas que nos buscam, não é só a palestra, campanha na redes sociais, tem que contratar pessoas. E a EmpregueAfro fornece todo o apoio para que a empresa tenha um plano de diversidade anual. Pode fazer por 6 meses, mas a consistência só vem com 4, 5 anos. Mas se você quiser um ano de projeto, pensando em treinamento, engajamento interno, comunicação, recrutamento, seleção e desenvolvimento dessas pessoas, com certeza, está provocando uma grande mudança.

Temos clientes que começamos um plano de trabalho em 2016, com meta de contratação de 20% de pessoas negras para 2020, e todo ano, como os colaboradores vão se renovando, temos os mesmos desafios. O brasileiro tem muita dificuldade de lidar com o racismo, de reconhecer que o racismo existe e que é capaz de acabar com a sociedade. Agora com o coronavírus, ele escancarou as desigualdades, as empresas estão percebendo e espero de coração que esse momento de isolamento toque o coração das pessoas, e elas entendam que dar oportunidade não é ceder seu privilégio branco.

Diversidade e Inclusão representam ações que envolvem todas essas mudanças, mas o empoderamento dessa população faz com que ela tenha mais oportunidades. Brancos não vão perder seus empregos, ela também é outra metade da população. É um processo lento, temos muito para fazer.

Eu tinha uma perspectiva que em 20 anos já ter reduzido as desigualdades, mas agora que estudei profundamente, em que o Instituto Ethos disse que a equidade racial vai demorar 150 anos no Brasil, me dá uma angustia. Já pensei em fechar a EmpregueAfro, desistir, mas fico fazendo conta para diminuir essa estatística. Porque realmente, é muito cruel.

O setor de Recursos Humanos nas empresas têm acompanhado os debates na sociedade ou ainda mantém temas como este com expressão tímida dentro do espaço de trabalho?

P: Está muito tímido ainda. Na EmpregueAfro não temos uma área comercial ativa, eu mesmo entro em contato com as empresas. De janeiro a maio, captamos 103 empresas e somente 4 fecharam com a gente. Às vezes elas entram em contato, fecham com outra consultoria ou não fazem nada. Algumas empresas não querem lidar com isso, “é a visão do dono”, mas ele também precisa de consciência, treinamento e buscar conhecimento adequado para lidar com essa temática. É um ciclo que temos que contaminar cada vez mais, empresas e pessoas. Eu vejo muitas pessoas nas empresas em um voo solo, batalhando sozinhas para ver as coisas acontecerem, até que ela forma um comitê, leva para uma diretoria que aprova e aí começamos a batalhar. Não quero desanimar, mas ter esperança de um mundo melhor.

Quais são os principais desafios que os setores de RH enfrentam ao querer implementar um projeto como a EmpregueAfro? É esse setor que mais te busca?

P: A maioria das pessoas são de RH, brancas, e a maior dificuldade é de convencimento da alta liderança em investir nessa temática. Muitos dizem: “não precisa”, “façam vocês mesmo”. Se fossem programas de sustentabilidade, que houve uma onda no Brasil de implementar esse tipo de programa e agora vemos melhorias e até conseguimos reciclar em casa, foi todo um processo de implementação. Se a empresa entende que envolve investimento e que a alta liderança tem que estar junto porque ela é determinante para influenciar as pessoas, a gente conseguiria evoluir mais. Ainda acho que essas poucas pessoas que estruturam times de diversidade dentro de RH, também estão sozinhas.

Então, o que você diria para essas equipes de RH que desejam provocar essa mudança nas suas empresas? Como começar?

P: Primeiro, RH, não faça tudo sozinho, essa responsabilidade não é só sua, é da empresa como um todo. Você pode até ser o desbravador, o que puxa a cordinha, mas tem que puxar todo mundo junto. Não é só na sua mão que tem que ficar um programa de diversidade, RH tem essa mania. “Deixa que a gente faz”. Faz, mas não gera um engajamento e os resultados esperados se você não tem, por exemplo, um comitê de diversidade.

Então, minha dica é: monte um comitê com a presença de pelo menos alguém da alta liderança, que seja um patrocinador do programa, não só para bancar o programa, mas que vai incentivar o time para fazer acontecer, participar das reuniões e etc. Crie um comitê e faça com quem tem vontade. Como já dizia o ditado, um RH sozinho não faz inclusão! Costumo brincar com essa trocadilho, porque realmente é desafiador.

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Entrevista por Maria Esther Castedo

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